terça-feira, 6 de outubro de 2009

Carta a um novo endereço.

Oi ,

Nem sei como dizer. É muito difícil estar aqui, assim , aberta , cheia de feridas à mostra. É difícil. Mas eu “tô”. Queria dizer sobre nós. Nossos corpos. A relação de nós dois. Primeiro queria falar sobre meu braço direito. Tenho três marcas , uma de infância , de um tombo de bicicleta , outra de uma vacina e a terceira é um pedaço da sua unha ainda cravada em mim. Você sempre foi mais forte. O engraçado é que eu não chorei. Seu excesso de músculo que te fez despencar sobre a chuva. Eu só corria. Bom, mas não é disso que vim falar. Quero falar de seios. Os meus. Você sempre achou grande demais pra suas mãos. Onde já se viu? Alguém reclamar de excesso... Eu reclamei você , e seu excesso de reclamação. Meu corpo reclamou seus pudores .Essa sua mania de criticar qualquer ato espontâneo do meu_ corpo. Eu estava ali, com meu corpo, e tudo que queria era a intensidade. Certo , eu me assustei com meus próprios movimentos ao redor de nós. É estranho falar assim, como se tudo ainda estivesse aqui, vivo. Mas, a verdade é que eu nem consigo movimentar-me em sua direção. Fico lembrando daquele terceiro corpo, que tem mais marcas que o meu , mais dores que o meu... Você o mapeou inteiro , e eu sobrei. Mas não chorei.Que isso fique claro, eu sobrei e estou aqui. Em pé. Na direção oposta de vocês. Porque eu corri demais tentando ser parte de algo de onde fui cuspida pra fora tantas e tantas vezes. Muitas vezes , eu me obriguei à agir com naturalidade enquanto vocês riam. Eu ria também. Deveria fazer isso , queria ser parte disso , de vocês. Três. Nunca foi meu número de sorte. Sempre preferi os pares aos ímpares. Acho que era pelo medo de sobrar. Eu “to” sobrando. Estou em frente ao espelho , e estou sobrando de mim mesma. Muito estranho eu falar isso para você, você deve estar rindo. Não me importo.Eu que estou sobrando, e quero gritar minha sobra. Eu não vou chorar. E nem espero que você volte. Aliais, a única coisa que eu quero é que você tire sua unha do meu braço , ta sangrando faz algum tempo. Mas veja como eu sou forte , não chorei. A sua unha vai sobrar! E eu vou rir. Eu “ to” rindo . Que delicia! Calo-me .Não era isso que eu queria dizer, nem rir, mas já escrevi e não permito rasuras de mim mesma. Deixa ficar. Olho para frente , esse espelho ainda é muito embaçado por lembranças. Acho que estou me cortando cada vez mais. Esse corpo estranho que eu olho , está todo aqui inteiro. Não quero apagá-lo , não posso. Chorei. Desculpa. Eu não queria. ( agora falo com minha própria imagem , mas vou continuar escrevendo à ti) Dói , e eu choro tanto . São tantas posições que me doem. Tantos olhos e risadas que me doem . Não choro pela lembrança , mas pelo excesso da falta. Só tenho de vocês o que ficou no corpo , alguns sons , a risada do outro e meu medo de sobrar. Acho que por isso sobrei.
E dói.

sábado, 3 de outubro de 2009

porCelanas

As porcelanas se bateram , mas não tão forte que pudessem se quebrar. Após o susto da provável rachadura , minha mão encontrou teus braços. Era o primeiro contato de algo. Digo algo , porque até hoje não posso definir-nos. Não quero. Não definirei o que foi , nem o que é agora. Foi preciso a possibilidade do fim da delicadeza da porcelana para que um contato nascesse entre nós , o que seriam os restos de nossas trocas ? Rachaduras eternas em nossas almas, abraços medrosos cheios de culpa, olhares trêmulos acompanhados por barulhos de quedas. Era isso que nos mantinha juntos em pé . Excitava a alma , o corpo , saber que meu toque em você provocava tal tremor. Somos essa eterna possibilidade . Quando algo estar pra acabar , nossos olhares se cortam e reiniciamos com toda a delicadeza das porcelanas.

“Querida Porcelana” , Assim você começa sua carta. Com um sorriso nas palavras que me faz voar. E me diz “ matéria delicada e cheia de beleza , que me faz querer abraçar para que ninguém à faça rachar” . Sempre gostei de , por ti , se chamada de porcelana. Isso nos une. Cria algum vinculo eterno. Como precisamos de algo eterno né? O nosso “ Nós” é insustentável. Não há como nos prendermos um ao outro , o preço disso seria a quebra de muitas xícaras , bules e etc... Não queremos esse preço. Não queremos nem pagar. Queremos abraços , beijos eternos , sem despedidas mas já com gosto de saudade. Querendo ser levado pelo vento até que outro encontro nos faça salvar em um movimento ambíguo uma nova e delicada porcelana. Como uma coisa de aparência tão delicada pode ser tão resistente?

Fico tentando achar algo que nos rache de verdade . Não porque quero encontrar , mas sim por prefiro nos proteger de algo. Você sempre diz “Adeus” e me deixa uma nova carta, sem promessa de volta. E eu não espero . Vivo , vôo também. Mas quando seus braços me tocam novamente , fico à espera daquela carta de despedida. Que relação improvável essa que se dá pela vontade do “ adeus” e pela tensão da volta. Eu amo você, seu corpo , seus olhos , seu sorriso. Amo quando nos jogamos num canto qualquer. Gosto do cheiro do seu cabelo roçando nas minhas costas . .. Existe um tremor , uma vontade de se jogar , uma jogada sem medo , uma pagada sem compromisso... Vai indo e vindo .. Mas sempre salvamos as porcelanas.

Dominique Arantes